Olá queridos amigos!
Vamos fazer uma análise da segunda fase do 44º Exame de Ordem Unificado, aplicada em 19 de outubro de 2025 na área de Direito Administrativo, que apresentou a estrutura tradicional composta por uma peça profissional e quatro questões discursivas.
Nessa linha, este artigo tem como objetivo analisar criticamente o conteúdo cobrado, identificar os fundamentos jurídicos exigidos, apontar possíveis controvérsias e discutir eventuais recursos cabíveis.
Tudo aqui está sendo retirado do gabarito preliminar disponível:
O que caiu, em síntese?
Bom, a prova demonstrou alinhamento com os principais temas do Direito Administrativo, abordando regime disciplinar de servidores públicos, contratos administrativos, bens públicos, improbidade administrativa e abuso de autoridade, todos previstos no edital.
Análise da peça profissional
Em síntese, a peça profissional apresentou o caso de Fred, servidor público federal estável do Ministério do Meio Ambiente, que foi suspenso por 180 dias após processo administrativo disciplinar. Os principais fatos narrados foram:
- Falta disciplinar praticada em maio de 2022 (resistência injustificada à execução de serviço)
- Ciência da Administração sobre a falta em 31/05/2022
- Instauração do PAD apenas em 20/06/2024 (mais de 2 anos depois)
- Penalidade aplicada por Carlos, Chefe da Repartição
- Servidor sem antecedentes disciplinares ou criminais
- Falta não gerou danos concretos ao serviço público
- Servidor sem recursos para custear processo judicial
Qual era a peça?
O gabarito oficial indicou que a peça cabível seria uma Ação Anulatória cumulada com pedido de ressarcimento de vantagens, direcionada ao Juízo Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, tendo Fred como autor e a União como ré.
Fundamentos jurídicos
Prescrição da ação disciplinar
O gabarito apresentou duas alternativas para caracterização da prescrição, ambas aceitáveis:
Primeira alternativa: Prescrição bienal para infrações puníveis com suspensão (Art. 142, II, Lei 8.112/90). Como transcorreram mais de 2 anos entre o conhecimento da falta (31/05/2022) e a instauração do PAD (20/06/2024), configurou-se a prescrição.
Segunda alternativa: A falta de “oposição de resistência injustificada à execução de serviço” (Art. 117, V, Lei 8.112/90), quando não há justificativa para penalidade mais grave, deve ser punida com advertência, cujo prazo prescricional é de 180 dias (Art. 142, III, Lei 8.112/90).
Desproporcionalidade da penalidade
Além disso, o candidato deveria argumentar que a penalidade de advertência seria adequada ao caso (Art. 129 c/c Art. 117, V, Lei 8.112/90), considerando:
- Ausência de antecedentes
- Inexistência de danos concretos ao serviço público
- Princípio da proporcionalidade
Excesso no prazo de suspensão
Ora, era fundamental apontar que o Art. 130, caput, da Lei 8.112/90 estabelece o limite máximo de 90 dias para suspensão.
Isto porque, a aplicação de 180 dias configurou clara ilegalidade.
Incompetência da autoridade
Carlos, como Chefe da Repartição, apenas poderia aplicar suspensão de até 30 dias (Art. 141, III, Lei 8.112/90).
Veja, para suspensão superior a 30 dias, a competência seria de autoridade hierarquicamente superior.
📌 Observação: O enunciado menciona que Carlos é subordinado ao Ministro e a “dez outros agentes públicos”, o que reforça sua posição hierárquica intermediária e a incompetência para aplicar a penalidade.
Gratuidade de justiça
Correto o pedido com base no Art. 98, caput, do CPC, considerando a declaração de hipossuficiência do servidor após período de suspensão sem vencimentos.
Pedidos
O gabarito corretamente indicou os seguintes pedidos:
- Concessão de gratuidade de justiça
- Anulação da decisão administrativa
- Ressarcimento de vantagens do período de suspensão com juros e correção monetária
- Citação da ré
- Condenação em custas e honorários
- Valor da causa
- Opção sobre audiência de conciliação
Pontos de atenção
Questão processual relevante: A prova exigiu peça judicial após 7 meses do trânsito em julgado administrativo.
Candidatos que eventualmente mencionassem o esgotamento da via administrativa ou discutissem a tempestividade da ação deveriam ser considerados, pois demonstram conhecimento de temas processuais pertinentes.
Além disso, devido ao decurso do prazo de 120 dias, não caberia Mandado de Segurança.
Cumulação de pedidos: A cumulação de anulação com ressarcimento é adequada e está em conformidade com o Art. 327 do CPC.
Análise das questões discursivas
Questão 1 – Contratos Administrativos (Lei 14.133/2021)
Tema: Alteração unilateral e supressão contratual
Item A – Regularidade da supressão de 20%
Gabarito: A União atuou regularmente, pois o contrato pode ser alterado unilateralmente quando houver modificação do projeto para melhor adequação técnica (Art. 124, I, "a", Lei 14.133/21), e o contratado deve aceitar supressões de até 25% (Art. 125, Lei 14.133/21).
Análise crítica: A resposta está correta e bem fundamentada. A Lei 14.133/21 (Nova Lei de Licitações) ampliou os limites de supressão em relação à antiga Lei 8.666/93, que previa 25% apenas para obras, serviços ou compras.
⚠️ Pontos de atenção:
- Candidatos que citassem corretamente os dispositivos e explicassem a lógica jurídica mereceriam pontuação integral
- A fundamentação deve evidenciar que são requisitos cumulativos: (i) adequação técnica e (ii) respeito ao limite de 25%
Item B – Pagamento dos materiais já adquiridos
Gabarito: Sim, os materiais já adquiridos e colocados no local devem ser pagos pelos custos comprovados e monetariamente reajustados (Art. 129, Lei 14.133/21).
Análise crítica: Dispositivo específico e claro. A ratio legis é evitar prejuízo ao contratado de boa-fé que já havia se preparado para executar o contrato conforme originalmente pactuado.
Questão 2 – Bens Públicos
Tema: Titularidade e alienabilidade de praias marítimas
Item A – Titularidade
Gabarito: A praia marítima é de titularidade da União (Art. 20, IV, CF/88).
Análise crítica: Questão direta de Direito Constitucional aplicado ao Direito Administrativo. A literalidade do dispositivo facilita a resposta, mas exige conhecimento da classificação dos bens da União.
📌 Observação: O enunciado especifica “praia marítima continental”, excluindo praias insulares, o que reforça a aplicação do Art. 20, IV, que menciona praias marítimas genericamente.
Item B – Possibilidade de alienação
Gabarito: Não é possível alienar, pois a praia é bem de uso comum do povo (Art. 99, I, CC), e apenas bens dominicais são alienáveis (Art. 100, CC).
Análise crítica: A questão cobra conhecimento da classificação tripartite dos bens públicos quanto à destinação:
- Bens de uso comum do povo
- Bens de uso especial
- Bens dominicais
Fundamentação completa: O candidato deveria mencionar que a desafetação é requisito para alienação, e que praias, por sua natureza e proteção constitucional (Art. 225, CF/88), não podem ser objeto de desafetação e posterior alienação.
Questão 3 – Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92 com alterações da Lei 14.230/21)
Tema: Responsabilização de terceiros e sucessão empresarial
Item A – Necessidade de imputação ao agente público
Gabarito: Sim, é necessária a imputação ao agente público, pois terceiros só respondem se induzirem ou concorrerem dolosamente com o agente público (Art. 3º, Lei 8.429/92).
Análise crítica: Esta questão cobra o entendimento da reforma trazida pela Lei 14.230/21, que estabeleceu expressamente a necessidade de condenação do agente público para responsabilização do terceiro.
Controvérsia importante: Há debate doutrinário sobre se essa exigência viola o princípio da independência das instâncias. Alguns autores defendem que a responsabilização do terceiro deveria ser autônoma quando houver dolo específico comprovado, isto porque, houve mudança na lei.
Jurisprudência do STJ:
- Inviável ACP de improbidade exclusivamente contra o particular, sem agente público no polo passivo: REsp 1.980.604/PE, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 21.6.2022, DJe 30.6.2022.
- Não há litisconsórcio necessário entre agente público e terceiro no mesmo processo; contudo, os particulares não podem ser responsabilizados sem que haja agente público responsável pelo ato questionado. Admite-se a responsabilização do agente em ação conexa: AgInt-REsp 2.020.205/PE, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 4.4.2023; no mesmo sentido, EDcl-AgInt-REsp 2.020.205/PE, DJe 27.6.2023.
Fundamentação adequada: O candidato deve mencionar:
- A natureza dúplice da ação de improbidade após a reforma
- A exigência de dolo para terceiros
- A impossibilidade de responsabilização isolada do terceiro
Item B – Responsabilização da sucessora empresarial
Gabarito: Sim, a sucessora responde até o limite do patrimônio transferido (Art. 8º-A, parágrafo único, Lei 8.429/92).
Análise crítica: A questão aborda inovação da Lei 14.230/21 que estabeleceu regras específicas para sucessão empresarial em casos de improbidade.
⚠️ Ponto de atenção: O enunciado questiona especificamente sobre situação em que “o patrimônio transferido é superior à lesão”. A resposta correta é que a sucessora responde pela reparação integral, limitada ao patrimônio transferido. Como o patrimônio é superior ao dano, responderá integralmente pelo dano.
Possível confusão: Candidatos poderiam entender que “limite do patrimônio transferido” significaria responder apenas parcialmente. A interpretação correta é que responde até aquele limite, mas se o dano é inferior, responde integralmente pelo dano.
Questão 4 – Abuso de Autoridade (Lei 13.869/19)
Tema: Independência das instâncias e coisa julgada
Item A – Independência da condenação criminal
Gabarito: Não depende de condenação criminal (Art. 6º ou 7º, Lei 13.869/19).
Análise crítica: Questão clara sobre o princípio da independência das instâncias, aplicável também ao abuso de autoridade.
Fundamentação completa: O candidato deveria mencionar:
- Princípio da independência das instâncias (penal, civil e administrativa)
- Possibilidade de responsabilização administrativa mesmo sem condenação criminal
- Natureza autônoma do processo administrativo disciplinar
Item B – Coisa julgada criminal absolutória
Gabarito: Sim, a absolvição por estrito cumprimento do dever legal faz coisa julgada no âmbito administrativo (Art. 8º, Lei 13.869/19).
Análise crítica: Esta é a exceção ao princípio da independência das instâncias. Quando o Judiciário criminal reconhece excludente de ilicitude (estrito cumprimento do dever legal), vincula a esfera administrativa.
Fundamentação adequada:
- Absolvição criminal por negativa de autoria, negativa de materialidade ou excludente de ilicitude vincula a esfera administrativa
- Fundamento: impossibilidade de contradição entre instâncias quanto a fatos objetivos
- Distinção com absolvição por insuficiência de provas (não vincula)
📌 Observação técnica: O candidato que diferenciasse as hipóteses de absolvição do Art. 386, CPP, demonstraria conhecimento aprofundado, especialmente distinguindo incisos que vinculam (I, II, III, V, VI) dos que não vinculam (VII) a esfera administrativa.
Temas recorrentes e análise estatística
Temas cobrados
A prova do 44º Exame cobrou:
- Regime Disciplinar de Servidores (Peça + implicitamente na Questão 4)
- Contratos Administrativos (Questão 1) – Lei 14.133/21
- Bens Públicos (Questão 2)
- Improbidade Administrativa (Questão 3)
- Abuso de Autoridade (Questão 4)
Legislações exigidas
- Lei 8.112/90 (Regime Jurídico dos Servidores Públicos Federais)
- Lei 14.133/21 (Nova Lei de Licitações e Contratos)
- Código Civil (Arts. 99 e 100 – Bens Públicos)
- Lei 8.429/92 com alterações da Lei 14.230/21 (Improbidade Administrativa)
- Lei 13.869/19 (Abuso de Autoridade)
- Constituição Federal (Art. 20, IV)
- Código de Processo Civil (Art. 98 – Gratuidade)
Nível de dificuldade
Peça profissional: Dificuldade média. Exigiu identificação de múltiplos vícios (prescrição, incompetência, desproporcionalidade, excesso de prazo), demonstrando conhecimento sistemático da Lei 8.112/90.
Questões discursivas:
- Questão 1: Média (conhecimento da Lei 14.133/21, relativamente nova)
- Questão 2: Fácil (conceitos básicos de bens públicos)
- Questão 3: Média-alta (exigiu conhecimento da reforma da Lei de Improbidade)
- Questão 4: Média (princípios de independência e comunicação das instâncias)
Controvérsias e possibilidades de recursos
Infelizmente, não há tanta possibilidade de recurso.
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