Direito de Brincar: Como isso pode aparecer na sua OAB?

Direito de Brincar: Como isso pode aparecer na sua OAB?

Introdução

Imagine a seguinte situação: você está diante de uma questão da FGV que pergunta sobre os direitos fundamentais de crianças e adolescentes previstos no ECA. Entre as alternativas, uma delas menciona o “direito de brincar” como aspecto do direito à liberdade. Você hesita: será que isso realmente está na lei? É um direito fundamental mesmo? E como isso se relaciona com a proteção integral?

Se você teve essa dúvida, não está sozinho. O direito de brincar é um tema que muitos candidatos subestimam na preparação para a OAB, mas que aparece com frequência nas provas, especialmente quando a banca aborda os direitos fundamentais previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) ou questões relacionadas ao trabalho infantil.

Outubro, mês das crianças no Brasil, é a oportunidade perfeita para revisarmos esse tema estratégico. O direito de brincar não é apenas uma curiosidade legislativa – é um direito fundamental reconhecido expressamente no ECA, na Constituição Federal e em tratados internacionais. Mais do que isso: compreender esse direito é essencial para dominar a lógica da proteção integral que orienta todo o Direito da Criança e do Adolescente.

Neste artigo, você vai entender de forma completa e didática o que é o direito de brincar, sua fundamentação legal, como ele se insere na doutrina da proteção integral e, principalmente, como esse tema pode aparecer na sua prova da OAB. Prepare-se para transformar um assunto aparentemente simples em pontos valiosos no seu exame!

O que é o direito de brincar e onde ele está previsto?

O direito de brincar é o direito que toda criança e adolescente possui de dedicar parte do seu tempo a atividades lúdicas, recreativas, esportivas e de lazer, essenciais para o seu desenvolvimento integral. No Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990), o direito de brincar aparece como um dos aspectos do direito à liberdade:

Art. 16, ECA. O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos: 

I - ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais; 

II - opinião e expressão; 

III - crença e culto religioso; 

IV - brincar, praticar esportes e divertir-se; 

V - participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação; 

VI - participar da vida política, na forma da lei; 

VII - buscar refúgio, auxílio e orientação.

Note que o direito de brincar não está isolado: ele integra o rol de manifestações da liberdade, ao lado de direitos como ir e vir, liberdade de expressão e participação na vida familiar. Isso significa que brincar não é um “luxo” ou algo secundário – é uma dimensão fundamental da liberdade humana na infância e adolescência.

Recentemente, o legislador brasileiro reforçou ainda mais a importância desse direito com a Lei nº 14.826, de 20 de março de 2024, que estabelece:

Art. 3º É dever do Estado, da família e da sociedade proteger, preservar e garantir o direito ao brincar a todas as crianças.

Essa lei deixa claro que não basta reconhecer o direito de brincar, é necessário garanti-lo ativamente. Estado, família e sociedade têm responsabilidade solidária em criar condições para que crianças possam efetivamente exercer esse direito.

No plano internacional, a Declaração Universal dos Direitos da Criança, proclamada pela ONU em 1959, já previa no Princípio 7º que “a criança terá ampla oportunidade para brincar e divertir-se”.

Esse reconhecimento internacional demonstra que o direito de brincar é uma garantia universalmente aceita como essencial ao desenvolvimento infantil. Perceba, portanto, que o direito de brincar pode aparecer tanto em sua prova de ECA quanto na prova de Direitos Humanos.

Exemplo prático: Maria, 8 anos, mora em uma comunidade carente. A prefeitura decide construir uma praça com brinquedos e área de lazer no bairro. Essa medida não é apenas uma política pública interessante – é o cumprimento do dever constitucional e legal de garantir o direito de brincar, assegurado pelo ECA e pela Lei nº 14.826/2024.

Por que o direito de brincar é considerado um direito fundamental?

Para entender a importância do direito de brincar, precisamos compreender como o ECA enxerga crianças e adolescentes. O Estatuto estabelece de forma cristalina:

Art. 15, ECA. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.

Esse artigo contém uma das mais importantes definições do Direito da Criança e do Adolescente: crianças e adolescentes são sujeitos de direitos, não objetos de proteção. Isso significa que possuem direitos próprios, exercem prerrogativas jurídicas e merecem tratamento que respeite sua dignidade humana.

A expressão “pessoas humanas em processo de desenvolvimento” também é fundamental. Ela reconhece que crianças e adolescentes estão em uma fase peculiar da vida, que exige proteção especial e oportunidades adequadas para que possam desenvolver plenamente suas potencialidades físicas, mentais, morais, espirituais e sociais.

O direito de brincar se encaixa perfeitamente nessa lógica. Brincar não é perda de tempo – é trabalho da criança. É por meio do brincar que crianças:

  • Desenvolvem habilidades motoras e cognitivas;
  • Aprendem a se relacionar socialmente;
  • Exercitam a criatividade e imaginação;
  • Processam emoções e experiências;
  • Constroem sua identidade e autonomia.

Por isso, o direito de brincar é considerado fundamental: sem ele, o desenvolvimento integral da criança fica comprometido. Não se trata de um direito “menor” ou secundário – é condição essencial para que a criança se desenvolva plenamente como pessoa humana.

Exemplo prático: João, 10 anos, passa o dia todo trabalhando em uma feira com o pai, sem tempo para brincar ou estudar. Essa situação viola não apenas a proibição do trabalho infantil, mas também o direito fundamental de João de brincar, previsto no art. 16, IV, do ECA. O Conselho Tutelar, ao ser acionado, deve intervir para garantir que João tenha tempo e oportunidade de exercer sua infância plenamente.

O que foi o Código de Menores de 1979 e por que ele não protegia o direito de brincar?

Para valorizar os avanços trazidos pelo ECA, é fundamental conhecer o que veio antes: o Código de Menores de 1979 (Lei nº 6.697/1979). Esse código representava uma visão completamente diferente sobre crianças e adolescentes.

O Código de Menores se baseava na chamada doutrina da situação irregular. Segundo essa doutrina, a lei só se preocupava com crianças e adolescentes que estivessem em “situação irregular”, ou seja:

  • Carentes (sem condições de subsistência);
  • Abandonados;
  • Vítimas de maus-tratos;
  • Em perigo moral;
  • Desassistidos juridicamente;
  • Com desvio de conduta;
  • Autores de infração penal.

O que é a doutrina da proteção integral e como ela mudou o paradigma?

O ECA, promulgado em 1990 para regulamentar o art. 227 da Constituição Federal de 1988, rompeu completamente com a doutrina da situação irregular e adotou a doutrina da proteção integral. Essa mudança representou uma verdadeira revolução no tratamento jurídico de crianças e adolescentes.

A doutrina da proteção integral está expressa logo no primeiro artigo do ECA:

Art. 1º, ECA. Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente.

Mas o que significa “proteção integral”? O art. 3º do ECA explica:

Art. 3º, ECA. A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Desmembrando esse artigo, encontramos a essência da proteção integral:

1) Crianças e adolescentes gozam de TODOS os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana

Isso significa que crianças têm os mesmos direitos que qualquer pessoa: dignidade, liberdade, igualdade, vida, saúde, educação etc. Não são cidadãos de segunda classe – são pessoas plenas, com direitos plenos.

2) ALÉM desses direitos gerais, têm direitos ESPECÍFICOS

Por estarem em fase peculiar de desenvolvimento, crianças e adolescentes precisam de direitos adicionais, específicos de sua condição. É aqui que entra o direito de brincar (art. 16, IV), o direito à convivência familiar e comunitária (art. 19), entre outros direitos especiais.

3) Proteção integral significa garantir TODAS as oportunidades e facilidades para o desenvolvimento pleno

Não basta não violar direitos – é preciso ativamente promover condições para que crianças se desenvolvam plenamente em todas as dimensões: física, mental, moral, espiritual e social.

4) Tudo isso em condições de liberdade e dignidade

A proteção não pode ser sufocante ou tutelar em excesso. Deve respeitar a autonomia progressiva de crianças e adolescentes, sua liberdade e dignidade como pessoas humanas.

Podemos sintetizar a proteção integral na seguinte fórmula:

PROTEÇÃO INTEGRAL = DIREITOS FUNDAMENTAIS GERAIS (inerentes a toda pessoa humana) + DIREITOS ESPECÍFICOS (próprios de crianças e adolescentes)

O direito de brincar é exemplo perfeito de direito específico. Adultos têm direito ao lazer (art. 6º, CF), mas não têm “direito de brincar” nos mesmos termos que crianças, porque brincar é atividade típica e essencial da infância.

Exemplo prático: Ana, 7 anos, estuda em escola pública em período integral. A escola oferece aulas curriculares pela manhã e, à tarde, oficinas de arte, esporte e recreação, com tempo livre para brincadeiras. Esse modelo educacional materializa a proteção integral: garante o direito à educação formal (direito geral) e também o direito de brincar e se desenvolver integralmente (direito específico da criança).

Qual a relação entre o direito de brincar e a proibição do trabalho infantil?

O direito de brincar se contrapõe diretamente ao trabalho infantil. Enquanto brincar é essencial para o desenvolvimento da criança, o trabalho precoce compromete sua saúde, educação e desenvolvimento integral. Por isso, compreender as regras constitucionais sobre trabalho infantil é fundamental.

A Constituição Federal estabelece limites claros para o trabalho de crianças e adolescentes:

Art. 7º, CF. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos;

Vamos destrinchar essas regras:

5.1. Qual é a idade mínima para trabalhar no Brasil?

Regra geral: 16 anos

É proibido qualquer trabalho a menores de 16 anos. Essa é a idade mínima constitucional para o trabalho no Brasil.

Exceção: aprendizagem a partir dos 14 anos

A partir dos 14 anos, é permitido o trabalho na condição de aprendiz. A aprendizagem é um instituto especial, regulamentado pela CLT (arts. 428 a 433) e pelo Decreto nº 5.598/2005, que combina formação teórica e prática, com proteção especial ao adolescente.

Características da aprendizagem:

  • Contrato especial de trabalho;
  • Formação técnico-profissional metódica;
  • Jornada máxima de 6 horas diárias (8 horas se o aprendiz já concluiu o ensino fundamental);
  • Garantia de frequência escolar;
  • Anotação na CTPS como “aprendiz”.
direito de brincar

Importante: A aprendizagem não é “trabalho infantil”. É uma forma protegida e pedagógica de iniciação profissional, com garantias especiais.

5.2. Quais trabalhos são proibidos para menores de 18 anos?

Mesmo que o adolescente tenha 16 ou 17 anos (idade em que o trabalho já é permitido), há restrições importantes:

É proibido para menores de 18 anos:

  • Trabalho noturno (entre 22h e 5h);
  • Trabalho perigoso (que implique risco à vida ou saúde);
  • Trabalho insalubre (que exponha a agentes nocivos à saúde).

A Lista TIP (Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil), aprovada pelo Decreto nº 6.481/2008, detalha dezenas de atividades proibidas para menores de 18 anos, como trabalho em mineração, construção civil, contato com agrotóxicos, entre muitas outras. Mais uma vez, percebe-se que o direito de brincar também pode ser exigida pela FGV na disciplina de Direitos Humanos.

Como o tema “direito de brincar” cai na OAB?

Vamos criar uma questão típica de 1ª fase da OAB, estilo FGV:

QUESTÃO SIMULADA

Maria, 13 anos, foi encontrada por fiscais do trabalho atuando como vendedora em uma loja de roupas, em jornada de 8 horas diárias, sem qualquer vínculo de aprendizagem. Ela não frequentava a escola e relatou que precisava trabalhar para ajudar a família. O Conselho Tutelar foi acionado.

Considerando o disposto no ECA e na Constituição Federal, assinale a afirmativa correta.

a) A situação é legal, pois Maria já completou 12 anos e pode trabalhar com autorização dos pais.

b) Maria pode trabalhar regularmente como vendedora, desde que seja registrada como aprendiz e frequente curso de formação profissional.

c) A situação configura trabalho infantil vedado pela Constituição Federal, que permite trabalho apenas a partir dos 16 anos, salvo na condição de aprendiz a partir dos 14 anos, além de violar o direito de Maria à educação e ao brincar, previstos no ECA.

d) O trabalho de Maria é permitido por se tratar de atividade não perigosa e não insalubre, sendo vedado apenas o trabalho noturno para menores de 18 anos.

RESPOSTA CORRETA: C

Alternativa A – INCORRETA. A Constituição Federal estabelece idade mínima de 16 anos para trabalho (salvo aprendizagem a partir dos 14 anos). Não há previsão de trabalho aos 12 anos, mesmo com autorização dos pais. Essa alternativa reflete a lógica do antigo Código de Menores, já superada.

Alternativa B – INCORRETA. Embora mencione a aprendizagem, está incorreta porque Maria tem apenas 13 anos. A aprendizagem só é permitida a partir dos 14 anos (art. 7º, XXXIII, CF). Portanto, mesmo na condição de aprendiz, Maria não poderia trabalhar legalmente.

Alternativa C – CORRETA. Esta alternativa está perfeita porque:

  1. Identifica corretamente a idade mínima constitucional (16 anos);
  2. Reconhece a exceção da aprendizagem (a partir de 14 anos);
  3. Relaciona a situação com violação de direitos previstos no ECA (educação – art. 53, e brincar – art. 16, IV);
  4. Caracteriza corretamente a situação como trabalho infantil vedado.

Alternativa D – INCORRETA. Está errada porque a proibição não se limita ao trabalho noturno, perigoso ou insalubre. Qualquer trabalho antes dos 16 anos (fora da aprendizagem a partir dos 14) é proibido, independentemente de ser perigoso, insalubre ou noturno. Essas são vedações adicionais que se aplicam até os 18 anos, mas não são as únicas restrições.

Conclusão

O direito de brincar é muito mais do que uma curiosidade legislativa. É a materialização do reconhecimento de que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos, pessoas em desenvolvimento que merecem proteção integral. É a expressão de uma sociedade que valoriza a infância, combate o trabalho infantil e promove oportunidades para que todas as crianças cresçam com dignidade, liberdade e plenitude.

Dominar esse tema não apenas te ajudará a conquistar pontos na OAB – te tornará um profissional do Direito mais sensível, preparado e comprometido com a proteção dos mais vulneráveis. Afinal, garantir que crianças possam brincar é garantir que tenham a infância que merecem e o futuro que desejamos construir.

Bons estudos e sucesso na sua prova!

Quer ser aprovado ou aprovada no Exame OAB?
Temos as melhores opções AQUI!

Assinatura OAB

Conteúdo completo para a 1ª e 2ª fase da OAB.

Conteúdos exclusivos e atualizações em tempo real?
Siga nossas redes e esteja sempre um passo à frente!

0 Shares:
Você pode gostar também