Introdução
O iter criminis se trata do “caminho do crime” e é composto por 4 etapas para a realização do crime. Inicia-se na cogitação e avança até a consumação do delito (e eventual exaurimento).
Para facilitar, podemos dizer que iter criminis é o caminho percorrido pelo agente desde o momento em que começa a imaginar o crime que irá cometer até a sua efetiva consumação.
Lembre-se que se trata de instituto referente aos crimes dolosos (e isso é intuitivo, afinal, quem comete crime de forma culposa não realiza “cogitação”, “preparação” e demais etapas).
O tema é muito importante por alguns motivos, por isso, vamos elencar os 3 principais:
- Saber o iter criminis auxilia na identificação do crime cometido pelo agente;
- Dominar os institutos do iter criminis traz inúmeras possibilidades de defesa do réu;
- Quase 10% das questões de Direito Penal no Exame de Ordem versam sobre algum instituto do iter criminis.
Ou seja, o iter criminis é um assunto muito recorrente no Exame de Ordem e, ainda que não fosse, ele é essencial para que se compreenda o delito como um todo.
Vamos entender melhor essas etapas.
Etapas do iter criminis
O agente que irá cometer um crime doloso pode passar pelas seguintes 4 etapas para a consumação do delito. Vejamos:
Mas, do que se trata cada uma dessas etapas???
- Cogitação: nessa etapa o agente começa a pensar, elaborar em sua mente, imaginar a prática de um crime. Perceba que é uma etapa absolutamente interna, se passa na mente do agente. Portanto, a cogitação é impunível, em razão do princípio da lesividade (como não houve qualquer lesão ao bem jurídico tutelado pela norma, não existe razão para a incidência do direito penal).
- Preparação (atos preparatórios): nessa etapa o agente começa a se preparar para a prática do delito, buscando os instrumentos necessários para a sua concretização. Note que estamos em uma etapa externa à mente do agente, ele toma ações no plano físico. Em regra, os atos preparatórios são impuníveis (exceto quando os próprios atos preparatórios constituírem um crime autônomo).
- Execução (atos executórios): nessa etapa o agente começa a executar propriamente o crime. Em outras palavras, adentra o bem-jurídico tutelado pela norma. Importante entender que os denominados “atos executórios” se iniciam em momento iminentemente anterior à prática do verbo nuclear do tipo penal.
- Consumação: nessa etapa o agente realiza todos os elementos previstos no tipo penal, havendo um crime “completo”. Note-se que pode haver resultado no mundo naturalístico (crime material) ou haver somente a completa realização da conduta proibida pelo tipo penal (crimes formais ou crimes de mera conduta).
Passemos à análise dos institutos defensivos presentes no iter criminis.
Institutos do Iter criminis
Tentativa (artigo 14, inciso II e parágrafo único, do Código Penal)
A tentativa ocorre quando o agente, já tendo iniciado a prática delituosa (iniciada a execução), não alcança a consumação do delito por circunstâncias alheias a sua vontade.
Resumindo: se fosse pela VONTADE do agente, ele teria consumado o crime. Mas, algo aconteceu que impediu essa consumação (ex.: a polícia chega e impede o crime).
A consequência é que, no crime tentado, o agente responderá pelo crime com a incidência de uma causa de diminuição de pena na 3ª fase da dosimetria. No caso, o juiz poderá aplicar a redução de 1/3 a 2/3 (a depender do quanto o agente se aproximou da consumação do crime).
Vejamos a previsão legal, ela é bastante clara:
Art. 14 - Diz-se o crime: I - consumado, quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal; II - tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. Parágrafo único - Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços.
Desistência voluntária (artigo 15 do Código Penal)
O agente inicia a prática do crime, mas, ainda durante a realização dos atos executórios, DESISTE com VOLUNTARIEDADE de continuar na prática criminosa. Percebam que o agente desiste por sua própria vontade.
Nesse caso, a tentativa será afastada e o agente terá praticado um fato “atípico”. Porém, cuidado! A depender do caso, o agente responderá apenas pelos atos já cometidos.
É mais benéfico ao agente do que a tentativa.
Ex.: o agente coloca a mão na bolsa da vítima para subtrair o celular e, voluntariamente, desiste de prosseguir.
Vejamos a letra da lei (notadamente, a primeira parte do artigo 15 do Código Penal):
Art. 15 - O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados.
Arrependimento Eficaz (artigo 15 do Código Penal)
O arrependimento eficaz está previsto na segunda parte do artigo 15 do Código Penal. Ele ocorre quando o agente finaliza os atos executórios, mas, se arrepende e evita que o resultado se produza.
Diferentemente da desistência voluntária, no arrependimento eficaz o agente já terminou os atos executórios e, se ele não agisse, o resultado (consumação) iria se produzir.
Aliás, pelo próprio nome já se verifica que o arrependimento precisa ser EFICAZ, ou seja, o agente precisa conseguir evitar a consumação do crime para ser beneficiado por esse instituto.
Lembre-se: só é possível se arrepender daquilo que você já fez!
A consequência é que a conduta praticada pelo agente será atípica, mas, também é possível responder por outros crimes que tenham ocorrido.
Ex.: Marcos está dirigindo no trânsito quando bate no veículo de Lucas. Em razão da calorosa discussão, Marcos desce do veículo e atira em Lucas. Após já ter atirado na vítima (finalizado os atos executórios), Marcos se arrepende e leva Lucas para o hospital imediatamente, de modo a evitar o resultado morte. Nesse caso, Marcos não responderá pela tentativa de homicídio, mas apenas pena lesão corporal causada em Lucas.
O arrependimento eficaz também está previsto no artigo 15 do Código Penal, senão vejamos:
Art. 15 - O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados.
Arrependimento Posterior (artigo 16 do Código Penal)
No arrependimento posterior, como o próprio nome já diz, após a consumação do crime o agente age de modo a reparar o dano causado ou restituir a coisa à vítima.
Essa reparação precisa ser ao menos de 50% do dano e ocorrer até o RECEBIMENTO DA DENÚNCIA.
ATENÇÃO: só é possível arrependimento posterior em crime sem violência ou grave ameaça à pessoa!
A consequência é a aplicação de uma causa de diminuição de pena quando da 3ª fase da dosimetria. O juiz poderá reduzir a pena de 1/3 a 2/3.
Vejamos o que diz o artigo 16 do Código Penal:
Art. 16 - Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços.
Muito cuidado!!! Quando se tratar de crime contra a ordem tributária, a reparação integral do prejuízo pode ser feita a qualquer tempo (ainda que após o trânsito em julgado) e ocorrerá a extinção da punibilidade do agente!!!!
Crime Impossível (artigo 17 do Código Penal)
O crime impossível é um queridinho nosso e também do examinador da OAB. Brincadeiras à parte, ele sempre aparece nos exames de Ordem.
Como o próprio nome do instituto já diz, se trata de casos em que a consumação do crime é IMPOSSÍVEL e, portanto, a gente não responderá sequer pela tentativa.
O crime impossível pode ocorrer de duas formas:
1ª Ineficácia absoluta do meio (o agente escolhe um meio para praticar o crime, mas ele é absolutamente ineficaz. Ex.: agente quer cometer o crime de homicídio e, acreditando estar aplicando doses de veneno no café de seu amigo, na realidade está colocando gotas de adoçante).
2º Absoluta impropriedade do objeto (o agente pratica o crime contra um objeto que não pode, de forma alguma, ser vítima desse crime. Ex.: o agente ministra um chá abortivo em uma mulher que não está grávida).
Vejamos a previsão do artigo 17 do Código Penal:
Art. 17 - Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime.
Como já foi cobrado em prova?
Exame 41 Gabriel flagrou Júlia, sua namorada, em um momento íntimo com Pedro. Alucinado, Gabriel efetuou disparos de arma de fogo contra ambos, com a intenção de matá-los, mas errou a pontaria. Pedro, assustado com os tiros, saiu correndo do local e, na fuga, tropeçou em uma reentrância do piso, desequilibrou-se e bateu com a cabeça no solo, fato relativamente independente que, por si só, causou o resultado morte. Gabriel aproximou-se de Júlia ainda com munição em sua arma, porém, ao vê-la assustada, desistiu de prosseguir com seu intento original. Gabriel abraçou Júlia, que, na sequência, sofreu um fulminante ataque cardíaco, vindo a falecer. Gabriel foi denunciado pelo homicídio doloso de Pedro e Júlia. Na condição de advogado(a) de defesa de Gabriel, você deve alegar que (A) houve desistência voluntária em relação a ambas as vítimas, cabendo a responsabilização apenas pelos disparos de arma de fogo. (B) houve fato superveniente que, por si só, ocasionou o resultado, de forma que a ação de Gabriel configurou apenas duas tentativas de homicídio. (C) houve ruptura do nexo causal em razão de fato superveniente que, por si só, causou o resultado, de forma a excluir a tipicidade de todos os atos praticados por Gabriel. (D) houve ruptura do nexo causal em relação à morte de Pedro, subsistindo a tentativa de homicídio; em relação à Júlia, houve desistência voluntária, configurando apenas disparo de arma de fogo. Gabarito: D
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