Introdução
A prova da OAB é um desafio que exige dos candidatos não apenas o conhecimento amplo da legislação, mas também a compreensão de como determinados institutos jurídicos se aplicam na prática. No campo do Direito da Criança e do Adolescente, um dos temas mais relevantes e frequentemente cobrados é a Doutrina da Proteção Integral, pedra angular do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990).
Embora o ECA represente cerca de 2,5% das questões no Exame da OAB, sua importância é inquestionável. Como observamos no histórico das provas aplicadas pela FGV, compreender profundamente o princípio da proteção integral e seus desdobramentos práticos pode ser o diferencial para garantir pontos valiosos na prova. Este artigo busca esclarecer esse princípio fundamental, contrastá-lo com a doutrina anterior e destacar os artigos mais cobrados nas provas da OAB relacionados ao tema.
Da situação irregular à proteção integral: uma mudança de paradigma
Antes de adentrarmos especificamente nos dispositivos mais cobrados, é fundamental entender a mudança de paradigma que ocorreu com a promulgação do ECA em 1990, substituindo o antigo Código de Menores (Lei nº 6.697/1979).
O Código de Menores orientava-se pela Doutrina da Situação Irregular. Tal Doutrina considerava crianças e adolescentes apenas quando estavam em situação de abandono, delinquência ou desvio de conduta, tratando-os como objetos de intervenção estatal. Nessa perspectiva, o “menor” só entrava no radar jurídico quando representava um problema social.
Com a Constituição Federal de 1988 e posteriormente o ECA, houve uma completa revolução nesse entendimento, inaugurando-se a Doutrina da Proteção Integral. Esta nova abordagem reconhece crianças e adolescentes como sujeitos de direitos em sua integralidade, merecedores de proteção prioritária e absoluta, independentemente de estarem ou não em situação de vulnerabilidade.
A proteção integral no ECA: fundamentos legais
O princípio da proteção integral encontra seu principal fundamento no artigo 227 da Constituição Federal, que estabelece ser:
"Dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão."
O ECA internalizou e desenvolveu esse princípio constitucional nos seus primeiros artigos, que costumam ter cobranças frequentes no Exame da OAB:
Artigo 1º do ECA: "Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente."
Este artigo inicial já demarca o território normativo do Estatuto, estabelecendo desde o primeiro momento que toda a lei se volta à proteção integral. É um dos artigos mais cobrados na OAB, tendo aparecido em três ou mais exames.
Artigo 2º do ECA: "Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade."
Ademais, a delimitação etária é fundamental e muito cobrada nas provas. Observe que o parágrafo único deste artigo também estabelece a possibilidade excepcional de aplicação do Estatuto a pessoas entre 18 e 21 anos. Este artigo também apareceu em três ou mais exames da OAB.
Artigo 3º do ECA: "A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade."
Este artigo é uma verdadeira declaração de direitos, reafirmando que crianças e adolescentes são sujeitos de todos os direitos fundamentais, acrescidos da proteção especial determinada pelo Estatuto. Apareceu em três ou mais provas da OAB.
Artigo 4º do ECA: "É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária."
Este dispositivo, espelhando o art. 227 da CF, estabelece uma responsabilidade compartilhada na garantia dos direitos, com destaque para a expressão “absoluta prioridade”. Isso implica que é necessário considerar os interesses de crianças e adolescentes em primeiro lugar nas políticas públicas, no orçamento e nas ações concretas.
O parágrafo único deste artigo detalha o que compreende a garantia de prioridade:
a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.
Em três ou mais exames da OAB houve a cobrança deste artigo.
Artigo 5º do ECA: "Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais."
Este artigo completa o sistema protetivo, garantindo que, além da promoção de direitos, deve-se proteger crianças e adolescentes contra violações.
Outros artigos importantes sobre proteção integral frequentemente cobrados na OAB
Além dos artigos iniciais, outros dispositivos do ECA relacionados ao princípio da proteção integral são frequentemente cobrados no Exame da OAB:
Artigo 17 do ECA: "O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais."
Este artigo, cobrado em três ou mais provas da OAB, detalha um aspecto essencial da proteção integral: o direito ao respeito. Ele reconhece a criança e o adolescente como pessoas em formação cuja integridade deve-se preservar em todas as suas dimensões.
Artigo 18-B do ECA: "Os pais, os integrantes da família ampliada, os responsáveis, os agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou qualquer pessoa encarregada de cuidar de crianças e de adolescentes, tratá-los, educá-los ou protegê-los que utilizarem castigo físico ou tratamento cruel ou degradante como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto estarão sujeitos, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, às seguintes medidas, que serão aplicadas de acordo com a gravidade do caso."
Este dispositivo, incluído pela Lei nº 13.010/2014 (Lei Menino Bernardo), reforça a proteção integral ao proibir castigos físicos e tratamentos cruéis, estabelecendo medidas contra aqueles que os praticarem. Há cobranças frequentes na OAB, aparecendo em três ou mais exames.
Artigo 19 do ECA: "É direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral."
Este artigo, também cobrado em três ou mais exames da OAB, estabelece o direito fundamental à convivência familiar, preferencialmente com a família natural, como elemento essencial para o desenvolvimento integral.
Artigo 100 do ECA: "Na aplicação das medidas levar-se-ão em conta as necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários."
O art. 100, em especial seu parágrafo único (incluído pela Lei nº 12.010/2009), que lista os princípios que regem a aplicação das medidas protetivas, representa uma importante materialização da doutrina da proteção integral. Entre esses princípios, destacam-se:
I - condição da criança e do adolescente como sujeitos de direitos; II - proteção integral e prioritária; III - responsabilidade primária e solidária do poder público; IV - interesse superior da criança e do adolescente; V - privacidade; VI - intervenção precoce; VII - intervenção mínima; VIII - proporcionalidade e atualidade; IX - responsabilidade parental; X - prevalência da família; XI - obrigatoriedade da informação; XII - oitiva obrigatória e participação.
Este artigo também foi cobrado em três ou mais exames da OAB.
Como questões sobre proteção integral são cobradas no Exame da OAB?
Quando se deparar com questões sobre o princípio da proteção integral no Exame da OAB, é importante considerar alguns aspectos:
- Leitura atenta do enunciado: a FGV invariavelmente apresenta casos concretos em seus enunciados, exigindo que você identifique qual dispositivo legal se aplica exatamente à situação descrita.
- Foco na lei seca: as questões da FGV cobram diretamente o conhecimento do texto legal, com alternativas que frequentemente reproduzem ipsis litteris o que está no Estatuto. Memorizar os artigos-chave é, portanto, estratégia fundamental para o sucesso.
- Interpretação sistemática: lembre-se de que o princípio da proteção integral orienta todo o Estatuto e deve ser lido em conjunto com outros princípios, como o melhor interesse e a prioridade absoluta.
- Atenção aos detalhes: por exemplo, diferenças entre as medidas aplicáveis a crianças (apenas medidas de proteção) e adolescentes (medidas de proteção e socioeducativas).
Exemplo de questão
Assim, para ilustrar como o tema pode ser cobrado, veja este exemplo de questão no estilo FGV:
A Secretaria Municipal de Saúde de determinado município precisa fazer cortes no orçamento e está decidindo entre reduzir recursos para o programa de atendimento especializado a gestantes adolescentes ou para o programa de capacitação de servidores. O Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente foi consultado para opinar sobre a decisão. Com base no Estatuto da Criança e do Adolescente, assinale a alternativa que corretamente reflete a garantia de prioridade estabelecida no parágrafo único do art. 4º:
a) A redução pode ser feita em ambos os programas igualmente, desde que sejam mantidos serviços básicos essenciais.
b) A decisão deve ser baseada exclusivamente nos critérios técnicos e de economicidade definidos pela administração municipal.
c) O programa de capacitação de servidores deve ter seus recursos mantidos por representar investimento na qualidade do serviço público como um todo.
d) A garantia de prioridade compreende precedência de atendimento nos serviços públicos e destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.
A resposta correta é a letra D, reproduzindo exatamente o que está previsto no art. 4º, parágrafo único, alíneas “b” e “d” do ECA. Tal dispositivo estabelece a garantia de prioridade como “precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública” e “destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude”.
Observe, então, como a FGV tipicamente constrói um caso concreto envolvendo uma decisão administrativa que afeta crianças e adolescentes para depois solicitar a identificação do dispositivo legal aplicável, transcrevendo o texto da lei na alternativa correta.
Conclusão
Dessa forma, a Doutrina da Proteção Integral revolucionou o tratamento jurídico dispensado a crianças e adolescentes no Brasil, reconhecendo-os como sujeitos de direitos que merecem proteção prioritária e integral. Essa mudança de paradigma reflete-se não apenas no ECA, mas também na forma de elaboração das questões sobre esse tema no Exame da OAB.
Os candidatos devem dominar especialmente os artigos iniciais do Estatuto (1º ao 6º), com destaque especial para os arts. 1º, 2º, 3º e 4º, que estabelecem as bases conceituais da proteção integral e são frequentemente cobrados na prova. Além disso, é essencial compreender o conteúdo dos arts. 17, 18-B, 19 e 100, todos relacionados a aspectos fundamentais da proteção integral e que têm aparecido com frequência nos exames.
Por fim, mais do que memorizar artigos, é fundamental entender o espírito da proteção integral: o reconhecimento de que crianças e adolescentes são pessoas em desenvolvimento que necessitam de condições especiais para florescer e se tornarem cidadãos plenos.
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