Por Kerolinne Barboza
Introdução – Teoria do crime
Quando falamos em teoria do crime temos um dos principais temas dentro do estudo do Direito Penal.
Estudar Direito penal sem entender a teoria geral é praticamente impossível.
Para que você consiga entender, o estudo do Direito Penal é dividido em basicamente duas partes: Parte Geral e Parte Especial. Na parte geral temos o estudo da aplicação da lei penal (art. 1º ao 12º do Código Penal), teoria do crime (art. 13 ao 31 do CP) e teoria da pena (art. 33 ao 120 do CP), já na parte especial (arts. 121 em diante) temos os crimes em espécie.
Logicamente que o estudo do Direito Penal não se resume ao Código Penal, pois temos legislações penais especiais (exemplo: lei de drogas, lei de lavagem de capitais, estatuto do desarmamento, etc.), e que também fazem parte do nosso conteúdo e tem bastante incidência no Exame da Ordem.
Para que possamos entender os crimes e suas implicações precisamos ter uma boa compreensão acerca dos seus elementos e dos institutos que podem interferir na sua configuração ou não.
Desta forma, para aplicarmos o Direito penal na prática precisamos compreender bem a teoria do crime, seus elementos e subtemas, e tenha certeza: este tema estará presente na sua prova do Exame de Ordem.
Teoria do Crime
O conceito de crime não é definido pela nossa legislação, sendo um conceito portanto, doutrinário. Segundo entendimento de majoritária doutrina, crime é composto pelos elementos: ação típica (fato típico), ilicitude e culpabilidade.
Quando falamos em conceito analítico de crime, é porque fazemos o estudo do crime “em partes”, ou seja, para que possamos falar em crime precisamos enxergar a presença de todos os seus elementos.
De acordo com a teoria analítica de crime, na visão finalista, temos como primeiro elemento do crime o fato típico (ou ação típica), que é composto pelos seguintes elementos:
O fato típico, segundo uma visão finalista, é composto dos seguintes elementos:
- conduta dolosa ou culposa, comissiva ou omissiva;
- resultado;
- nexo de causalidade entre a conduta e o resultado;
- tipicidade (formal e conglobante).
Já a ilicitude, também chamada de “antijuridicidade”, se traduz na ideia de contrariedade entre a conduta do agente e o ordenamento jurídico. Para conferir a existência da licitude ou a juridicidade da conduta praticada precisamos fazer por exclusão, ou seja, somente será lícita a conduta se o agente houver atuado amparado por uma das causas excludentes da ilicitude previstas no art. 23 do Código Penal.
Além das causas legais de exclusão da antijuridicidade, previstas no art. 23, a doutrina ainda faz menção a outra, de natureza supralegal, qual seja, o consentimento do ofendido.
Por fim, a culpabilidade é o juízo de reprovação pessoal que se faz sobre a conduta ilícita do agente. São elementos integrantes da culpabilidade, de acordo com a concepção finalista:
Elementos integrantes da culpabilidade
- imputabilidade;
- potencial consciência sobre a ilicitude do fato;
- exigibilidade de conduta diversa.
Desta forma, para que haja o crime, se faz necessária a existência dos três elementos citados acima, e na ausência de um deles, não haverá infração penal a ser punida, em razão das excludentes (de tipicidade, ilicitude ou culpabilidade).
Podemos resumir o conceito de crime com o seguinte quadro esquemático:
Excludentes
Quando se trata da aplicação do conceito de crime temos que ter em mente a realização de um verdadeiro “check list”, ou seja, deve-se verificar a existência dos três elementos necessariamente.
E se algum dos elementos faltar?
Bom, estaremos diante das chamadas excludentes, quer dizer que se excluir aquele elemento a sua consequência será a exclusão do crime.
Desta forma, fazendo uma análise separada para cada um dos elementos do crime temos: excludentes de tipicidade, excludentes de ilicitude e excludentes de culpabilidade.
Quando tratamos do elemento do fato típico vimos que este é composto por: conduta (humana, consciente, voluntária e dirigida a uma finalidade) que poderá ser de natureza dolosa ou culposa, comissiva (praticada por uma ação) ou omissiva (praticada por omissão); pelo resultado, nexo causal e tipicidade (formal e conglobante – previsão em lei da conduta proibitiva ou mandamental). Na ausência de um desses elementos, não poderemos falar em fato típico.
Vamos a um exemplo:
Se um agente pratica uma ação prevista em lei como proibida, como ofender a integridade física ou saúde de outrem (art. 129 do Código Penal), mas sua conduta não foi praticada com consciência, não podemos falar em existência de conduta, e por consequência, se não há conduta, não haverá fato típico.
Esse raciocínio deverá ser feito com relação a todos os elementos. Desta forma, se não houver nexo causal (relação de causalidade entre a conduta e o resultado) não haverá da mesma forma o fato típico, e portanto, não haverá crime, e assim sucessivamente com todos os elementos.
Nesse sentido, quando algum dos elementos integrantes do fato típico faltar, estaremos diante de uma excludente de tipicidade.
Em relação às excludentes de ilicitude, estas são mais fáceis de serem identificadas, uma vez que se encontram previstas na legislação. Estamos falando das excludentes do art. 23:
- Estado de necessidade
- Legítima defesa
- Estrito cumprimento do dever legal
- Exercício regular do direito
Quanto às excludentes de culpabilidade, devemos analisar a presença dos elementos relacionados à reprovação do agente: imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa.
Na imputabilidade averígua-se a capacidade do agente de ser ou não responsabilizado por seus atos, seja em razão da idade ou anomalia psíquica, ou até mesmo em razão do estado de embriaguez acidental decorrente de caso fortuito ou força maior.
Já a potencial consciência da ilicitude, verifica-se a possibilidade de o agente ter consciência da ilicitude (proibição ou permissão) da sua conduta, é o caso do erro de proibição.
E por fim, na exigibilidade de conduta diversa, a sua capacidade de agir de forma diferente diante do caso concreto (situações de coação moral irresistível ou cumprimento de uma ordem não manifestadamente ilegal de superior hierárquico.
Aplicação no Exame de Ordem
Considerando a importância dos elementos do crime e sua aplicação, além de sua altíssima incidência no Exame de Ordem, vamos visualizar como esse assunto é cobrado:
39º Exame (XXXIX) Caio, lutador de MMA, estava na praia quando viu uma senhora ser agredida por um terceiro. Caio foi em direção ao agressor e tentou persuadi-lo a parar com as agressões, mas o agressor não deu ouvidos e continuou a agredir a senhora. Dessa forma, Caio não viu outra alternativa a não ser desferir um soco no agressor para afastá-lo da senhora e imobilizá-lo em seguida, até a chegada da polícia.
Diante do exposto, a conduta de Caio pode ser beneficiada pela exclusão da:
a) tipicidade em razão da coação física irresistível.
b) culpabilidade em razão da coação moral irresistível.
c) ilicitude em razão do exercício regular de um direito.
d) ilicitude por legítima defesa.
Gabarito: Letra D
Comentários:
A questão aborda conhecimentos sobre excludentes de tipicidade, ilicitude e culpabilidade.
A alternativa A está incorreta. A coação física irresistível é causa que exclui a tipicidade uma vez que elimina por completo a vontade do agente coagido. Sendo assim, a vontade do coagido não é apenas viciada, mas suprimida, de modo que ele passa a ser um mero instrumento do coautor, excluindo a conduta do coagido.
No caso apresentado, Caio não estava atuando sob coação física.
A alternativa B está incorreta. A coação moral irresistível é causa excludente da culpabilidade em razão da inexigibilidade de conduta diversa por parte do sujeito, a qual está prevista expressamente no art. 22 do CP. Nestes casos, o CP prevê que “só é punível o autor da coação ou da ordem”.
No caso apresentado, Caio não estava atuando influenciado por qualquer coação.
A alternativa C está incorreta. O exercício regular do direito está previsto no artigo 23,III, do CP como uma causa de exclusão da ilicitude, a qual se fundamenta no fato de que, se o ordenamento prevê que o agente pode atuar, não é possível que tal ação seja, ao mesmo tempo, incriminada. Típico exemplo doutrinário são as lesões corporais geradas em uma luta de boxe. Em tese, causar lesões corporais em outra pessoa é fato tipificado no artigo 129 do CP, todavia, no caso das lutas de boxe, há autorização para tanto, de modo que os fatos não são ilícitos.
No caso apresentado, Caio não estava em uma luta de MMA, embora seja atleta deste esporte, logo, sua conduta não se amolda ao artigo 23,III, do CP.
A alternativa D está correta. A legítima defesa é causa que exclui a ilicitude e está prevista no artigo 23,II, do CP, bem como definida legalmente no artigo 25 do mesmo diploma, se caracterizando pela atuação que, “usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”.
Percebe-se que o Código Penal autoriza a legítima defesa tanto na proteção de direito próprio como de terceiro. No caso apresentado, Caio atuou, de forma moderada e com os meios necessários, na defesa de interesse de terceiro, sendo sua conduta abrangida por esta excludente de ilicitude.
Conclusão – Teoria do crime
Saber diferenciar os elementos do crime é fundamental para um bom desempenho na prova da OAB, uma vez que a banca examinadora gosta bastante de explorar as nomenclaturas e as consequências da ausência dos elementos que fazem parte do conceito de crime.
Referências
- Código Penal de 1940.
- Greco, Rogério. Curso de Direito Penal: Artigos 1º a 120 do Código Penal. v.1. Disponível em: Grupo GEN, (26th edição). Grupo GEN, 2024.
- Sistema de questões Estratégia OAB – ID 4000009821
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