O tema tentativa versus desistência voluntária é um clássico nas provas da OAB e aparece tanto na primeira quanto na segunda fase. Entender bem essa diferença pode te ajudar a acertar questões objetivas e montar uma boa peça processual quando o assunto for imputação penal ou tese de defesa.
Vamos por partes!
Tentativa
O instituto da tentativa está previsto no art. 14, II, do Código Penal. Ela ocorre quando o agente inicia a execução de um crime, mas não consegue consumá-lo por fatores alheios, ou seja, por motivos que fogem ao seu controle.
- Exemplo prático:
Imagine que João tenta matar Pedro e dá dois tiros, mas erra. A polícia chega logo em seguida e impede que ele continue. Aqui temos uma tentativa de homicídio — João queria matar, deu início ao crime, mas não conseguiu porque errou os primeiros disparos e por causa da intervenção policial, que o impediu de prosseguir.
Neste caso, ele responde por tentativa e sua pena será reduzida de 1 a 2/3 (art. 14, parágrafo único).
Importante destacar que para configuração da tentativa o agente não alcança o resultado desejado por circunstâncias alheias à sua vontade. Isso significa que a tentativa ocorre quando há intervenção humana? Não necessariamente! Explico.
Se entende por circunstâncias alheias tudo aquilo que foge do controle de atuação do agente, ou seja, tanto pode se dar por intervenção de terceiros, como também por fenômenos ou circunstâncias naturais. Por exemplo, se o agente desejando praticar o crime de dano joga uma pedra de cima da sacada de um apartamento, mas na hora que a lança, ocorre uma ventania forte e a pedra é arremessada para um canteiro vazio, não atingindo o bem jurídico desejado.
Desistência Voluntária
A desistência voluntária está no art. 15 do Código Penal. Ela ocorre quando, durante a execução do crime, o agente decide parar de forma voluntária, mesmo sendo ainda possível consumar o delito.
- Exemplo prático:
Joana coloca veneno no café de sua chefe, mas antes que ela beba, se arrepende e joga fora a xícara. Ou seja, ela poderia ter consumado o crime, mas decidiu não fazê-lo.
Resultado: Joana não responde por tentativa de homicídio, mas sim pelos atos já praticados, se forem puníveis isoladamente (ex: lesão, etc.).
Detalhe importante: Na desistência voluntária não há circunstâncias alheias, mas sim uma escolha livre do agente. Por isso é desistência voluntária e não tentativa.
A doutrina chama a desistência voluntária de “ponte de ouro” no Direito Penal, por justamente mudar a responsabilização do agente de um crime tentado para outra classificação ou até conduta atípica, no caso de os atos praticados não configurarem nenhum crime isoladamente.
Importante destacar que a desistência voluntária foge à nossa regra geral da teoria finalista, segundo a qual o agente deve responder pelo que “queria” fazer, pelo seu dolo inicial. Assim, na desistência o dolo inicial é abandonado, e o agente só responde até o que fez, não devendo responder pela sua intenção inicial, uma vez que desistiu de prosseguir.
Atenção: Somente se configura a desistência voluntária se ainda era possível prosseguir com os atos executórios, mas por opção do agente, não prosseguiu.
Vale lembrar que a vontade de desistir não precisa ser “espontânea”, ou seja, não precisa partir do próprio agente, que pode ser influenciado e optar por desistir porque foi convencido por algo/alguém. Não deixa de ser voluntário, apenas não foi espontâneo. O requisito legal é que a conduta seja “voluntária”, não necessariamente “espontânea”.
Resumo da diferença
Para diferenciar, em um caso concreto, uma situação de desistência voluntária de uma tentativa, evitando-se confusões relativas ao uso de termos como “desiste”, “abandona” (lato sensu) em um enunciado, utiliza-se a famosa Fórmula de Frank:
“Se posso prosseguir e não quero, haverá desistência voluntária, mas se quero prosseguir e não posso, haverá tentativa.”
Para ilustrar, temos o seguinte esquema:
A seguir temos um quadro resumo das diferenças entre os institutos:
Elemento | TENTATIVA | DESISTÊNCIA |
Execução do crime | Iniciado os atos executórios | Iniciado os atos executórios |
Consumação | Impedida por circunstâncias alheias | Impedido pela própria vontade do agente |
Vontade de prosseguir com os atos executórios | Há intenção na consumação | Não há mais intenção no resultado, dolo abandonado |
Consequência | Responde com a pena do crime consumado com redução de ⅓ a ⅔ . | Responde apenas pelos atos já praticados |
Conclusão
Entender a diferença entre tentativa e desistência voluntária é essencial para interpretar corretamente os enunciados da OAB. Enquanto na tentativa o agente quer continuar, mas é impedido, na desistência ele próprio resolve parar. Essa diferença impacta diretamente na responsabilidade penal e na pena.
Fique de olho nas palavras-chave dos enunciados e sempre pergunte: ele foi impedido ou desistiu por vontade própria?
Bons estudos!
Referências
LDI Direito Penal – Estratégia OAB
Código Penal de 1940.
Greco, Rogério. Curso de Direito Penal: artigos 1º a 120 do Código Penal. v.1. Disponível em: Grupo GEN, (26th edição). Grupo GEN, 2024.
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