Aconteceu no domingo (19), a 1ª fase do XXXIX (39º) Exame de Ordem. A professora Géssica Ehle elaborou os possíveis recursos para a disciplina de Estatuto da Criança e do Adolescente.
Se você não concorda com a correção feita pela banca, poderá sustentar a modificação da avaliação com a nossa ajuda.
Abaixo seguem as questões que podem ter recursos interpostos e destacamos o motivo. Confira:
Estatuto da Criança e do Adolescente – PROVA TIPO 2 – VERDE
(QUESTÃO 43)
Eduardo adotou Bernardo, criança de dois anos, regularmente e de forma unilateral, tornando-se seu pai. Quando Bernardo completou três anos, Eduardo, infelizmente, faleceu vítima de um infarto. Eduardo não deixou parentes conhecidos.
Maria, a mãe biológica de Bernardo, sempre se arrependeu de tê-lo enviado à adoção. Sabendo do ocorrido e ciente de que não há o restabelecimento do vínculo do poder familiar, pelo fato de ter ocorrido a morte do adotante, Maria o procura, como advogado(a), para buscar uma solução que permita que Bernardo volte a ser seu filho.
Assinale a opção que apresenta a solução proposta.
A) A mãe biológica, infelizmente, não tem ao seu alcance qualquer medida para restabelecer o vínculo de parentalidade com Bernardo.
B) A mãe biológica deverá se candidatar à adoção de Bernardo, da mesma forma e pelos mesmos procedimentos que qualquer outro candidato.
C)A mãe biológica não poderá se candidatar à readoção de seu filho biológico, pois a dissolução do vínculo familiar é perene.
D) A inexistência de parentes do adotante falecido causa a excepcional restauração do vínculo familiar com a mãe biológica, fugindo à regra geral.
GABARITO APRESENTADO PELA BANCA: LETRA B
PRETENSÃO: ANULAÇÃO.
JUSTIFICATIVA:
A questão versa sobre o restabelecimento imediato do poder familiar e sobre a possibilidade de que a mãe biológica possa adotar filho que tenha restado órfão com relação a sua família substituta.
A) A mãe biológica, infelizmente, não tem ao seu alcance qualquer medida para restabelecer o vínculo de parentalidade com Bernardo.
O art. 39, §1º do ECA assegura que a adoção de criança e de adolescente é medida excepcional e irrevogável, a qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa.
Somando a tal dispositivo, tem-se o texto do art. 49 do ECA: “A morte dos adotantes não restabelece o poder familiar dos pais naturais”.
A patir de ambos os dispositivos normativos, tem-se que a assertiva “A” está correta, uma vez que não tem medida para restabelecer o vínculo de parentalidade.
A assertiva “A” está correta.
B) A mãe biológica deverá se candidatar à adoção de Bernardo, da mesma forma e pelos mesmos procedimentos que qualquer outro candidato.
O ECA não estabelece vedação ao ingresso de ação de adoção por mãe biológica em face de filho antes sob o poder familiar de sua família substituta.
Sob a análise do caso concreto, pode-se verificar as condições de desenvolvimento de afinidade e afetividade entre a mãe biológica e a criança, ou o adolescente, de modo que possa ser aplicado o princípio do melhor interesse da criança junto ao caso concreto.
Em recente jurispridência, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso especial de uma mulher para permitir que ela adote sua filha biológica, que foi adotada por um casal quando criança.
A assertiva “B” está correta.
C)A mãe biológica não poderá se candidatar à readoção de seu filho biológico, pois a dissolução do vínculo familiar é perene.
O ECA veda o restabelecimento imediato do poder familiar diante da insusbistência do poder familiar definido a uma família substituta, nos termos do art. 49. Contudo, não há vedação ao ingresso de ação de adoção por mãe biológica em face de filho antes sob o poder familiar de sua família substituta.
Sendo assim, em não havendo vedação expressa, pode-se concluir pela análise do caso concreto a ser apreciado pela autoridade juduciária, sopesando a principiologia do ECA, em aplicação ao melhor interesse da criança e do adolescente.
A assertiva “C” está incorreta.
D) A inexistência de parentes do adotante falecido causa a excepcional restauração do vínculo familiar com a mãe biológica, fugindo à regra geral.
O art. 19-A, §4º, aduz que na hipótese de não haver a indicação do genitor e de não existir outro representante da família extensa apto a receber a guarda, a autoridade judiciária competente deverá decretar a extinção do poder familiar e determinar a colocação da criança sob a guarda provisória de quem estiver habilitado a adotá-la ou de entidade que desenvolva programa de acolhimento familiar ou institucional.
A assertiva “D” está incorreta.
Por tais fatos e fundamentos supracitados, requer-se a ANULAÇÃO DA QUESTÃO POR DUPLICIDADE DE GABARITO.
(QUESTÃO 44)
Carlos e Joana, pais da criança Paula, estão dissolvendo sua união estável, ainda sem judicialização, detendo Joana a guarda de fato de Paula enquanto não regularizados os regimes de visitação ou compartilhamento de guarda.
Por razões profissionais, Carlos mudou-se para o município contíguo ao da residência de Joana e Paula. Ocorre que Carlos, estando insatisfeito com algumas decisões de Joana sobre a vida da criança, e não mais conseguindo ajustar amistosamente tais questões, precipitou o ajuizamento de processo para regulamentação da guarda e pensionamento, no Juízo da comarca que está residindo.
Joana procura você, como advogado(a), para representá-la, reclamando ter que se defender em outra cidade.
Com base no enunciado acima, sobre a questão da competência, assinale a orientação que você, corretamente, daria à Joana.
A) O juízo da residência de Carlos é tão competente quanto ao da residência de Joana, eis que apenas quando da definição da guarda – que é o que está pretendendo – a competência passa a ser do foro do guardião judicialmente definido.
B) A competência para este processo de regulação de guarda e pensão incube ao Juízo da comarca de residência de Paula, e não de Carlos, pois a guarda de fato já basta para tal fixação.
C) A competência será sempre definida em razão daquele que primeiro postular judicialmente a regulação da guarda.
D) A guarda é irrelevante para fins de determinação da competência, devendo ser processado o feito em razão do melhor interesse da criança, seja qual for o foro inicialmente escolhido.
GABARITO APRESENTADO PELA BANCA: LETRA B
PRETENSÃO: ANULAÇÃO.
JUSTIFICATIVA:
Trata-se de questão referente a conflito de competência em ação de regulamentação da guarda e pensionamento.
O Superior Tribunal de Justiça reconheceu como foro competente para julgar ação de guarda é o que melhor atenda ao interesse da criança.
De acordo com o Tribunal, a melhor solução para os conflitos de competência suscitados nos processos que envolvem menores não é verificar qual o juízo a quem primeiro foi distribuída a demanda ou que deferiu a guarda provisória antes, mas sim detectar aquele que, de acordo com os fatos delineados nos autos, melhor atende ao princípio da prioridade absoluta dos interesses da criança ou do adolescente.
O entendimento é da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e foi firmado em conflito de competência suscitado nos autos de ação para regularização de guarda de duas crianças.
Assim, de acordo com a jurisprudência do STJ:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO INTERNO NO CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÕES DE GUARDA. CUSTÓDIA DEFERIDA A AMBOS OS GENITORES EM AÇÕES DISTINTAS. SÚMULA 383/STJ. PREVALÊNCIA DOS PRINCÍPIOS DO JUÍZO IMEDIATO E DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
1. Nos termos da Súmula 383/STJ: “A competência para processar e julgar as ações conexas de interesse de menor é, em princípio, do foro do domicílio do detentor de sua guarda.”
2. Na hipótese, os pais disputam a guarda do filho menor impúbere em duas ações contrapostas, nas quais ambos obtiveram a guarda judicial provisória, caracterizando-se o conflito positivo de competência entre os juízos paulista e potiguar.
3. Conflito resolvido levando-se em consideração as circunstâncias do caso, o enunciado da Súmula 383/STJ, bem como o princípio do juízo imediato, previsto no art. 147, I e II, do ECA, atrelado ao princípio do melhor interesse da criança, declarando que a competência para processar e julgar as ações conexas de interesse do menor deve ser fixada no foro do domicílio do detentor presente da guarda, ou seja, o da mãe, detentora atual da guarda efetiva, já que ambos os genitores possuem a guarda judicial provisória da criança.
4. Embargos de declaração julgados como agravo interno desprovido. EDcl no CC 171371 / SP
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA
2020/0072446-4. Rel.Min. RAUL ARAÚJO, julgado em 12/08/2020.
Tal jurisprudência apresenta conflito positivo de competência uma vez que ambos os genitores obtiveram a guarda provisória, situação distinta da apresentada pela questão, onde ainda não há a regulação da guarda. O que se pode extrair, no entanto, é a preponderância assumida pelo princípio do melhor interesse da criança em contraposição à aplicação normativa do ECA, o que também deve preponderar na questão apresentada no Exame de Ordem.
PROCESSO CIVIL. REGRAS PROCESSUAIS. GERAIS E ESPECIAIS. DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. COMPETÊNCIA. ADOÇÃO E GUARDA. PRINCÍPIOS DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E DO JUÍZO IMEDIATO.
1. A determinação da competência, em casos de disputa judicial sobre a guarda – ou mesmo a adoção – de infante deve garantir primazia ao melhor interesse da criança, mesmo que isso implique em flexibilização de outras normas.
2. O princípio do juízo imediato estabelece que a competência para apreciar e julgar medidas, ações e procedimentos que tutelam interesses, direitos e garantias positivados no ECA é determinada pelo lugar onde a criança ou o adolescente exerce, com regularidade, seu direito à convivência familiar e comunitária.
3. Embora seja compreendido como regra de competência territorial, o art. 147, I e II, do ECA apresenta natureza de competência absoluta.
Isso porque a necessidade de assegurar ao infante a convivência familiar e comunitária, bem como de lhe ofertar a prestação jurisdicional de forma prioritária, conferem caráter imperativo à determinação da competência.
4. O princípio do juízo imediato, previsto no art. 147, I e II, do ECA, desde que firmemente atrelado ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, sobrepõe-se às regras gerais de competência do CPC.
5. A regra da perpetuatio jurisdictionis, estabelecida no art. 87 do CPC, cede lugar à solução que oferece tutela jurisdicional mais ágil, eficaz e segura ao infante, permitindo, desse modo, a modificação da competência no curso do processo, sempre consideradas as peculiaridades da lide.
6. A aplicação do art. 87 do CPC, em contraposição ao art. 147, I e II, do ECA, somente é possível se – consideradas as especificidades de cada lide e sempre tendo como baliza o princípio do melhor interesse da criança – ocorrer mudança de domicílio da criança e de seus responsáveis depois de iniciada a ação e consequentemente configurada a relação processual.
7. Conflito negativo de competência conhecido para estabelecer como competente o Juízo suscitado. Rel.Min. NANCY ANDRIGHI, julgado em 08/09/2010.
A partir de tal julgado vê-se a superioridade da principiologia do Direito da Criança e do Adolescente perante o caso concreto, sobretudo no que se refere ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. Tal princípio é imperativo e prepondera em face da norma posta, de modo que os Tribunais deverão relativizar a interpretação normativa em benefício da criança e do adolescente.
Nas palavras de Válter Kenji Ishida (2015, p. 57), a doutrina da proteção integral e o princípio do melhor interesse são duas regras basilares do direito da infância e da juventude que devem permear todo tipo de interpretação dos casos envolvendo crianças e adolescentes. Trata-se da admissão da prioridade absoluta dos direitos da criança e adolescente. A Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989, em seu art. 1ªº e 3º, menciona que em todas as medidas concernentes às crianças terão consideração primordial os interesses superiores da criança.
Ademais, o autor aponta que já existiu polêmica sobre a fixação da competência, sobretudo pela discussão quanto a aplicação do art. 147, I e II do ECA, mas que é importante ressaltar que a regra do art. 147 do ECA pode não ser levada em conta, em face da regra do melhor interesse da criança ou adolescente.
Ademais, segundo Súmula do STJ, somente após a definição da guarda e quanto às ações conexas, é que a competência passa a ser do foro do domicílio do detentor de sua guarda, nos termos da Súmula 383 do STJ, in verbis:
Súmula n. 383 do STJ
A competência para processar e julgar as ações conexas de interesse de menor é, em princípio, do foro do domicílio do detentor de sua guarda. (SÚMULA 383, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 27/05/2009, DJe 08/06/2009).
Uma vez que a questão mencione que ainda não há definição da guarda, o domicílio do detentor de fato da guarda não deve ser tomado como fator preponderante frente ao princípio do melhor interesse da criança.
Sendo assim, de acordo com as assertivas da questão, tem-se:
A) O juízo da residência de Carlos é tão competente quanto ao da residência de Joana, eis que apenas quando da definição da guarda – que é o que está pretendendo – a competência passa a ser do foro do guardião judicialmente definido.
A assertiva está incorreta pois não menciona o princípio do melhor interesse da criança para a solução quanto à regulação da guarda, mencionando apenas que ambos os juízos teriam competências equivalentes.
A letra A está incorreta.
B) A competência para este processo de regulação de guarda e pensão incube ao Juízo da comarca de residência de Paula, e não de Carlos, pois a guarda de fato já basta para tal fixação.
Diante do caso concreto, a definição da competência deverá ser definida a partir do foro de quem detiver a guarda de fato quando essa demonstrar cumprir com o melhor interesse da criança e do adolescente.
Dito de outro modo, a jurisprudência defende que a definição da competência deverá levar em conta a definição da guarda de fato e, junto dela, respeitar o princípio do melhor interesse da criança.
Por se tratar de critério voltado à análise do caso concreto, nada impede que a autoridade judiciária seja aquela do local onde se encontra o guardião de fato.
A letra B está correta.
C) A competência será sempre definida em razão daquele que primeiro postular judicialmente a regulação da guarda.
A assertiva está incorreta pois traz regra sobre iniciativa de postulação que não se encontra presente no Estatuto da Criança e do Adolescente, tampouco junto ao Código de Processo Civil.
A letra C está incorreta.
D) A guarda é irrelevante para fins de determinação da competência, devendo ser processado o feito em razão do melhor interesse da criança, seja qual for o foro inicialmente escolhido.
Ao passo que a principiologia de proteção às crianças e adolescentes se sobrepõe às regras de definição de competência estabelecidas pelo art. 147, I e II do ECA, a assertiva está correta pois confirma a atual posição doutrinária de que o princípio do melhor interesse da criança deve preponderar sobre a aplicação pura da norma. Desse modo, as regras de competência poderão ser relativizadas pela autoridade judiciária quanto em face do cumprimento da principiologia do ECA.
A letra D está correta.
Por tais fatos e fundamentos supracitados, requer-se a ANULAÇÃO da presente questão.
Referências:
ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente Doutrina e Jurisprudência. São Paulo: Atlas, 2015.
Professora Géssica Ehle
- @profgessicaehle
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