Você sabe até onde vai o poder do empregador sobre o tempo do trabalhador?
Neste artigo, você confere uma análise completa sobre jornada de trabalho, banco de horas, intervalos, teletrabalho e tempo à disposição. Entenda o que ainda está em vigor, o que mudou com a Reforma Trabalhista e como aplicar esses conhecimentos com segurança. Um conteúdo indispensável para quem está se preparando para a 1ª e 2ª fases do Exame da OAB — e quer dominar o tema também na prática profissional.
Professora Mirella Franchini
Introdução
A organização do tempo de trabalho sempre foi uma das principais preocupações do Direito do Trabalho. Desde o início da industrialização, limitar a jornada teve como objetivo proteger a saúde do trabalhador e garantir tempo para a família, o descanso e a vida em sociedade.
Com o passar dos anos, essas regras foram ficando mais flexíveis, principalmente por causa das mudanças nas empresas e nas formas de trabalho. Hoje, temos um modelo misto: ele ainda protege o trabalhador, mas também permite negociações com o patrão — de forma coletiva ou individual.
No Brasil, as regras estão na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e também na Constituição, no artigo 7º. A Reforma Trabalhista de 2017 e as novas normas sobre teletrabalho trouxeram ainda mais discussões sobre como equilibrar o direito do trabalhador com a liberdade para organizar o contrato.
A Constituição Federal e os fundamentos legais da jornada
A Constituição Federal garante, no artigo 7º, alguns direitos básicos sobre o tempo de trabalho. Por exemplo:
- O limite da jornada normal é de 8 horas por dia e 44 por semana. É possível mudar esses horários, mas só com acordo ou convenção coletiva.
- O trabalhador tem direito a um descanso semanal remunerado, que deve ser, de preferência, aos domingos.
Essas regras são de ordem pública, ou seja, as partes não podem ignorá-las — a menos que a própria lei permita negociar, como nos casos de banco de horas ou compensações de jornada.
Esses direitos também valem para empregados domésticos.
A lei trabalhista permite certa flexibilidade na jornada, mas sempre dentro dos limites da Constituição. Isso está previsto no artigo 611-A da CLT, que diz que acordos ou convenções coletivas podem valer mais do que a lei em temas como jornada, desde que respeitem a Constituição.
Além disso, o trabalho intermitente — aquele em que o trabalhador é chamado apenas quando necessário — legalizou a jornada móvel ou variável, conforme a OJ 358 do TST.
Jornada de trabalho: limites normativos e regimes alternativos
Jornada padrão e modalidades previstas na CLT
De acordo com a CLT (art. 58), a jornada de trabalho normal é de até 8 horas por dia e 44 por semana.
Se o trabalhador fizer mais do que isso, é preciso que haja uma autorização legal ou acordo por escrito (como em contrato ou convenção coletiva). Além disso, é necessário respeitar os limites de segurança e saúde do trabalho.
O artigo 59 da CLT permite fazer até 2 horas extras por dia, com pelo menos 50% a mais no valor da hora extra. Mas só se pode fazer essa prorrogação com acordo individual por escrito ou por negociação coletiva.
Tempo à disposição
Segundo o artigo 4º da CLT, o trabalhador está em jornada de trabalho não só quando executa suas tarefas, mas também quando fica aguardando ordens do empregador.
Dois exemplos clássicos:
📞Sobreaviso: o trabalhador fica em casa ou em local determinado, esperando ser chamado. Nessa situação, ele recebe 1/3 do valor da hora normal (art. 244, §2º da CLT).
🏢Prontidão: o trabalhador fica dentro da empresa esperando ordens. Aqui, ele recebe 2/3 da hora normal (art. 244, §3º da CLT).
⚠️Importante: Só o fato de o empregador fornecer um celular não significa que o empregado está de sobreaviso. Isso foi o que decidiu o TST na Súmula 428.
❌Não se considera tempo à disposição:
- Horas in itinere;
- Locomoção entre a portaria e o efetivo posto de trabalho;
- Permanência na empresa (por escolha própria do empregado) para:
- Proteção pessoal (insegurança ou condições climáticas);
- Atividades particulares (práticas religiosas, descanso, lazer, estudo, alimentação, higiene pessoal, atividades de relacionamento social, troca de roupa ou uniforme – quando não houver obrigatoriedade de troca na empresa).
Jornada Extraordinária
A jornada extraordinária é quando o trabalhador faz horas a mais além do seu horário normal. Isso pode acontecer antes, depois ou até durante a jornada, se ele trabalhar no horário do intervalo.
Ademais, a realização de hora extra precisa estar prevista em um acordo individual escrito, ou em acordo/convenção coletiva. Pela CLT (art. 59) e pela Constituição (art. 7º, XVI), é permitido fazer até 2 horas extras por dia, com pelo menos 50% a mais no valor da hora.
🚨 Em casos de urgência, força maior ou serviços que não podem esperar, esse limite de 2 horas pode ser ultrapassado (art. 61 da CLT).
E se o trabalho for interrompido por acidente ou algum imprevisto, a empresa pode repor o tempo perdido, com:
- até 2 horas extras por dia
- no máximo 10 horas de jornada por dia
- por até 45 dias por ano
- desde que haja autorização prévia da autoridade competente
Jornada 12×36 e seus desdobramentos
A jornada 12×36 é quando o trabalhador faz 12 horas seguidas de trabalho e depois descansa por 36 horas. Esse modelo já inclui o descanso semanal, então não precisa folgar aos domingos nem receber a mais por feriados.
Antes, só era permitida por convenção coletiva, mas a Reforma Trabalhista (art. 59-A da CLT) passou a permitir também por acordo individual por escrito.
🍽️ O intervalo para refeição pode ser:
- Usufruído (o trabalhador faz a pausa para comer)
- Ou pago em dinheiro (indenizado), desde que respeitado o tempo mínimo de descanso.
💰 O salário mensal já inclui:
- Descanso semanal remunerado
- Feriados trabalhados
- Adicional noturno prorrogado
🏠 Empregadas e empregados domésticos também podem fazer jornada 12×36, se houver acordo individual por escrito (Lei Complementar 150, art. 10).
☣️ Mesmo em ambientes insalubres, essa jornada pode ser adotada sem precisar de autorização prévia.
👉 Mas atenção: se for preciso prorrogar essa jornada, aí só com acordo ou convenção coletiva.
Regime de Tempo Parcial
É o tipo de jornada com menos horas por semana, ideal para quem precisa conciliar o trabalho com outras atividades. Existem dois formatos:
JORNADA | LABOR EXTRAORDINÁRIO |
Até 30h semanais | Proibido |
Até 26h semanais | Até 06h com acréscimo de 50% |
💸 O salário é proporcional às horas trabalhadas, mas o valor da hora tem que ser igual ao dos demais colegas que fazem jornada integral.
📅 As férias são de 30 dias, como na jornada comum, e não são proporcionais ao número de horas trabalhadas, segundo o art. 58-A, §§6º e 7º da CLT.
📢 Se um trabalhador da empresa quiser mudar para esse tipo de jornada, é possível — mas só com acordo coletivo, já que isso pode diminuir o salário.
Turno Ininterrupto de Revezamento
Esse tipo de jornada é usado por empresas que funcionam 24 horas por dia, sem parar — como hospitais, fábricas, segurança, energia, etc. Os trabalhadores se revezam em turnos, podendo trabalhar de manhã, à tarde ou à noite, conforme a escala.
⏰ Jornada padrão: 6 horas por dia, conforme o art. 7º, XIV da Constituição. Mas a jornada pode ser aumentada para até 8 horas por dia, desde que haja acordo ou convenção coletiva com o sindicato.
💡Atenção: Se a empresa aumentar a jornada para mais de 6 horas sem acordo coletivo, ela precisa pagar horas extras (OJ nº 275 da SDI-I/TST).
🍽️ Paradas para descanso ou refeição não tiram o direito ao turno especial, segundo a Súmula 360 do TST.
🌙 Como envolve trabalho noturno, a hora noturna reduzida também se aplica (OJ 395 da SDI-I/TST).
Empregados excluídos do controle de jornada (art. 62 da CLT)
A lei exige que empresas com mais de 20 empregados tenham controle de jornada (entrada e saída), conforme previsto no art. 74, §2º da CLT. Contudo, alguns trabalhadores estão dispensados desse controle, segundo o disposto no Art. 62 da CLT, veja quem:
🚪I – Atividade externa sem controle de horário
Exemplo: vendedor que trabalha na rua, sem fiscalização.
Essa condição precisa estar anotada na carteira de trabalho e no registro da empresa.
🧑💼 II – Gerentes e cargos de confiança
Se o salário do cargo (incluindo gratificação) for pelo menos 40% maior que o salário normal, não tem controle de jornada.
Acordos ou convenções coletivas podem definir quais cargos são considerados de confiança (art. 611-A, V da CLT).
💻III – Teletrabalhadores que trabalham por tarefa ou produção
Quem trabalha de casa por entrega de tarefa ou por produção também não precisa registrar ponto.
🧼Atenção: Empregador doméstico TEM que controlar jornada, mesmo que tenha só um empregado, conforme previsto no Art. 12 da LC 150/2015.
Banco de horas e compensações
O banco de horas é uma forma de compensar horas extras com folga depois, em vez de pagar em dinheiro.
Mas atenção! O tipo de acordo muda conforme o prazo:
- Mensal: acordo individual tácito ou escrito, ou instrumento coletivo;
- Semestral: acordo individual escrito ou coletivo;
- Anual: apenas por acordo ou convenção coletiva;
- Insalubres: exige licença prévia da autoridade competente, salvo jornada 12×36.
💡 A carga diária não pode ultrapassar 10 horas de trabalho.
📆 Se o trabalhador for demitido antes de compensar as horas, a empresa deve pagar essas horas como horas extras.
🛑Fazer horas extras não cancela o banco de horas, desde que respeite os limites e esteja previsto em acordo.
Em atividade insalubre, só pode ter banco de horas com licença prévia da autoridade competente.
📌Exceção: jornada 12×36, que já é permitida pela CLT mesmo em ambiente insalubre.
Horas in itinere: fim da previsão legal e cancelamento de súmulas
Antes da Reforma Trabalhista (2017), o tempo de deslocamento até o trabalho, quando não havia transporte público, era contado na jornada (Súmula 90 do TST). Isso mudou! A Reforma revogou essa regra:
📜 Art. 58, §2º da CLT:
“O tempo gasto até o trabalho e na volta não conta como jornada, mesmo se o transporte for fornecido pela empresa.”
Com isso, as Súmulas 90 e 320 do TST foram canceladas.
Intervalos legais e repousos obrigatórios
Intervalo intrajornada
Serve para descanso e alimentação. Está no art. 71 da CLT:
JORNADA | INTERVALO |
até 4h | – |
de 4h até 6h | 15 (quinze) minutos |
acima de 6h | de 1(uma) a 2(duas) horas |
acima de 6h – RURAL | de acordo com usos e costumes – mín. 1(uma) hora |
Pode-se reduzir o intervalo para 30 minutos, mas só com acordo coletivo (art. 611-A da CLT). Contudo, o intervalo de 15 minutos, em hipótese alguma poderá ter redução.
Se a empresa não der o intervalo, tem que pagar o tempo suprimido +50%, com natureza indenizatória (art. 71, §4º da CLT).
⚠️Importante: No caso de motoristas e empregadas domésticas, permite-se a redução ou o fracionamento do intervalo, conforme preveem, respectivamente, o art. 71, §5º da CLT e o art. 13 da Lei Complementar nº 150/2015.
Intervalo interjornada
Deve haver no mínimo 11h seguidas entre o fim de uma jornada e o início da próxima (art. 66 da CLT).
⚠️Não pode ser fracionado nem reduzido.
Se a empresa suprimir o intervalo, tem que pagar o tempo suprimido +50%, com natureza indenizatória (art. 71, §4º da CLT).
Repouso semanal remunerado
O trabalhador tem direito a um dia de descanso por semana, sem desconto no salário. Esse dia deve ser preferencialmente aos domingos (art. 7º, XV da CF e art. 67 da CLT).
O descanso deve ser de no mínimo 24 horas seguidas, e não pode ser dividido nem reduzido. Contudo, para ter direito ao DSR pago, o trabalhador precisa:
- Ter frequentado o trabalho durante a semana
- Não ter faltado nem atrasado injustificadamente
🚨 Se a empresa não concede o descanso, precisa pagar em dobro esse dia, sem prejuízo do DSR da semana (Súmula 146 do TST).
📅Atenção: dar folga após 7 dias seguidos de trabalho é considerado descumprimento da regra e gera pagamento em dobro (OJ 410 da SDI-1/TST).
👩⚖️Regra especial para mulheres (DSR)
A Lei 10.101/2000 (art. 6º-A) garante que as mulheres devem folgar pelo menos dois domingos por mês.Isso vale como uma ação afirmativa para promover igualdade de condições no trabalho.
Considerações finais
A definição do tempo de trabalho e dos períodos de descanso continua sendo uma das bases mais importantes do Direito do Trabalho no Brasil. A Constituição Federal e a CLT trazem regras claras sobre limites de jornada, intervalos obrigatórios e descanso semanal, sempre com foco na proteção do trabalhador, na valorização da dignidade humana e na promoção da saúde no ambiente de trabalho.
Com a Reforma Trabalhista de 2017 e outras leis, como a que trata do trabalho doméstico (LC 150/2015), surgiram novas formas de flexibilização e mudanças importantes, como:
- o banco de horas em diferentes formatos;
- a jornada 12×36;
- o trabalho em tempo parcial;
- o teletrabalho.
- e a exclusão de alguns momentos da jornada, como o tempo de trajeto (horas in itinere) ou de interesse pessoal.
Assim, essas normas mostram que é preciso interpretar o Direito do Trabalho com atenção ao contexto real de cada caso, respeitando as diferenças entre as atividades e empresas.
Para quem está se preparando para a OAB, dominar esse tema é fundamental — não só para garantir pontos importantes na 1ª e na 2ª fases do Exame, mas também para desenvolver uma visão prática e estratégica do Direito do Trabalho, essencial para a atuação jurídica com segurança e responsabilidade profissional.
Referências bibliográficas
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.
BRASIL. Lei nº 13.467/2017.
BRASIL. Lei Complementar nº 150/2015.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2022.
MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. São Paulo: Atlas, 2023.
TST. Súmulas e Orientações Jurisprudenciais.
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